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» » Uma introdução à história do Blues - parte 2

Função da música. O trabalho nos campos

Esse "Código negro" nos esclarece de maneira muito precisa as possibilidades de expressão que tinham os escravos: os negros arrancados da África eram considerados unicamente como um capital humano destinado ao trabalho. A única chance de sobrevivência para o escravo negro era ser uma boa ferramenta de trabalho. Toda capacidade de qualquer natureza de que fazia prova o escravo era usada pelo senhor se pudesse servir ao trabalho. Isso aplica-se perfeitamente à música: o canto tradicional africano (com um solista e a resposta em coro do grupo) que ritmava os trabalhos do campo na África do oeste foi, parece, transposto tal e qual para as plantações americanas. Trata-se, é claro, de work-songs, empregadas ainda em torno de 1960 nas penitenciárias para negros no Sul.

A religião.
Mas é claro que uma sociedade tão profundamente cristã como a dos plantadores escravagistas do Sul não podia confessar francamente essa utilização do homem negro unicamente como animal de carga. Depois de durante muito tempo considerarem-se os negros como meio-macacos, resolveu-se evangelizá-los em massa, levando-lhes assim a felicidade de crer em Jesus. Bem depressa, e provavelmente desde o início do século XIX, o canto religioso tornou-se um dos meios de expressão privilegiados (porque, é claro, autorizado) do gênio africano. Com uma considerável capacidade de adaptação, os escravos negros transformaram os hinos batistas e metodistas em cantos que misturavam as origens africana e européia e que se espalharam no mundo inteiro sob o nome de negro-spirituals.

Os negros deram também um sentido muito particular aos temas inspirados na Bíblia, e na maioria no Antigo Testamento. Desde 1859, o reverendo David Mac Rae, de origem britânica, visitando o "Sul profundo", nota:
"Há nos cantos religiosos dos escravos negros uma mistura de profunda tristeza e de alegria fervorosa pelo Paraíso, que sugere estarem apressados por reencontrar Jesus, para serem enfim livres".

Mas, se esse desejo de morte está efetivamente presente com freqüência, não se pode negar que "atravessar o Jordão" significava também tornar-se livre. Em todo caso, o relato dos sofrimentos e penas do povo judeu no Antigo Testamento tiveram uma ressonância muito profunda entre os escravos, que identificaram-se visivelmente com os hebreus fugindo do cativeiro no Egito para a Terra Prometida. Seria preciso ser singularmente surdo para não discernir em um dos negro-spirituals mais célebres, um apelo à emancipação:
Go down Moses, way down in Egypt-s land / Tell old Pharahoh, let my people go.
"Desça, Moisés, desça às terras do Egito / Diga ao velho faraó que deixe meu povo ir-se".

A dança
Enfim, é evidente que, se alguns plantadores martirizavam alguns de seus escravos', outros - sem dúvida a maioria - tinham uma atitude benevolente e paternalista, aliviando a consciência enquanto manejavam uma mão-de-obra preciosa e cada vez mais cara no decorrer do século XIX (a importação de escravos, declarada ilegal em 1808, continuou a ser contrabandeada até a guerra civil, mas a preços notoriamente mais elevados). Os testemunhos não-suspeitos de complacência abundam a respeito de relações amistosas entre brancos e negros nas plantações. As famílias de escravos freqüentemente habitavam pequenas casas individuais disseminadas pela plantação e rodeadas por uma horta individual que era de sua propriedade.

Da mesma maneira, a noite de sábado era freqüentemente reservada aos cantos e danças.
Ainda uma vez, a mistura das danças tradicionais africanas trazidas pelos negros com as danças européias que os escravos tinham ocasião de ver e ouvir iam resultar nessa "dança das plantações" (plantation dance) na qual é preciso ver o ancestral direto de numerosas danças surgidas na América nos séculos XIX e XX, entre as quais Jump Jim Crown, transcrita por Thomas Rice em 1828, é o arquétipo. Tornada uma das danças favoritas dosminstrel shows, no decorrer da qual um branco disfarçado de negro e tocando banjo imitava a atitude destes para fazer rir, o tema "Jim Crow" virou sinônimo de segregação e de racismo. Um "Jim Crow" designa, na linguagem do Sul, um branco que tem esses sentimentos.

Afirmação de uma cultura negra depois da emancipação.
Eis então um esboço da música americana praticada, pelos negros no tempo da escravidão. Com toda evidência, a herança africana é a força dominante desse gênero musical, o que não significa que a contribuição européia seja negligenciável.
Quaisquer que tenham sido as formas que essa música tenha tomado em solo americano - work-songs, negro-spirituals ou árias de dança - e se bem que essas formas tenham, é claro, desempenhado um papel muito importante na elaboração do Blues, não se pode'em nenhum caso dizer que o Blues existia no tempo da escravidão. Os testemunhos escritos e orais que pudemos consultar ou recolher nos fazem pensar, ao contrário, que o Blues não nasceu da emancipação em si mesma mas de transformações da música negra sob o efeito das novas condições sócio-econômicas criadas por essa emancipação. 0 nascimento do Blues propriamente dito situar-se-ia então, muito provavelmente, no fim do século XIX ou na aurora do século XX.

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Publicado por Distintivo Blue

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