Cat-1

Cat-2

Cat-3

Cat-4

» » O artista e a ética em tempos atuais

Artista precisa ter consciência e caráter hoje ou isso é apenas bobagem de outros tempos?

Por I.Malforea
Está em vários sites da Bahia: "Ivete e Bell recebem R$840 mil do governo para tocar sem cordas". Pensei um pouco: "caramba! Eu, que não pagaria para ir a um show deles sou obrigado a pagar, mesmo sem ir. Isso é certo? Quase um milhão de reais do meu (nosso!) suor assim, numa festa?" Conversei um pouco sobre isso num grupo sobre música e fiquei impressionado com as respostas. As pessoas, em geral, acham isso justo. Nós temos violência, educação precária, saúde idem, estradas assassinas que nos cobram em dobro (IPVA + pedágio) e quase um milhão de reais de dinheiro público vai para os dois mais ricos artistas da Bahia.

As pessoas disseram coisas do tipo "o cachê deles é alto porque o nome deles tem peso", "eles estão apenas fazendo o trabalho deles. A culpa é de quem contratou", o que imagino que provavelmente você concorde. Ok. O show de uma Ivete deve custar uns R$600 mil e é perfeitamente aceitável que ela cobre isso num bloco ou festa privada, onde paga o ingresso, o abadá, a camisa, o que for, quem quiser. Afinal, Ivete não nasceu em berço de ouro: vendia marmitas para se manter e chegou onde está por seu talento e seu empreendedorismo (ela não só é uma cantora/animadora como também uma das maiores empresárias do país). Se ela cobra uma fortuna hoje é porque tem quem pague. Mas e quando o dinheiro é público?

Não é preciso lembrar o tipo de país em que vivemos, mas lá vai: desigualdade, corrupção, pobreza, falta de educação, violência digna de uma guerra civil, serviços públicos que não cumprem seu papel e empresas oportunistas e gananciosas que superfaturam TUDO, isso sem contar a enorme carga tributária que, somada à ganância dessas empresas faz com que sejamos o povo que ganha esmola, mas paga como nobres aristocratas por tudo. Nunca vou me esquecer da frase dita por um conhecido, europeu, de Portugal: "não sei como vocês conseguem sobreviver ganhando tão pouco e pagando tão caro por tudo". Este é o Brasil onde acontecerão as apresentações do Bell e da Veveta. 

Agora entra uma palavrinha mágica: ÉTICA! Mais uma: CARÁTER! Que tipo de artista, sabendo de tudo o que foi dito no parágrafo anterior, continua sorrindo e aceita receber uma verdadeira fortuna para se apresentar por algumas horas na mesma avenida onde passou e passará com seu bloco de abadás caríssimos, sendo que seu cachê sairá do bolso do mesmo povo explorado que vive no país do parágrafo anterior? Será que esse artista realmente se importa com seu povo ou seu eterno sorriso é apenas fruto de cursos intensivos de teatro e orientações de assessores de comunicação?

Quando falei isso, o pessoal do grupo continuou achando que estou errado e soltaram esta: 
"Não tem NADA a ver com o fato de se importar ou não com o povo, tem a ver com saber quanto vale o seu trabalho. Não é o seu trabalho como músico/cantor/performer se meter nas questões governamentais.
Como assim, não é meu trabalho se meter nas questões governamentais? Devo lembrar que é sim meu papel e obrigação de TODO cidadão se meter nesses assuntos. Aliás, é justamente isso que faz de alguém um verdadeiro cidadão. Não é à toa que inventaram os Portais da Transparência nos âmbitos federal, estadual e municipal, para justamente o povo fiscalizar e ver o que está sendo feito do seu dinheiro, tomado compulsoriamente pelo Estado sob a forma de impostos, taxas e tributos.

Costumo dizer sempre: "um povo que não conhece sua história e suas regras não passa de mero instrumento nas mãos dos poderosos". Fato. O problema do Brasil se mostra crônico quando o próprio cidadão não se importa em ser lesado e ainda considera errado quem critica abusos. É o que se consegue com uma estratégia de educação precária: um obediente e passivo povo-marionete. Na verdade, nunca tivemos uma boa educação desde que o Brasil se tornou Brasil. Exigir que o povo tenha esse tipo de consciência seria, então, pedir demais?

E o artista? Qual o papel do artista na sociedade? Ser um mero e sorridente animador pão-e-circo? Contribuir para que continuemos instrumento nas mãos dos poderosos? Um artista que considerasse pensar sobre ética aceitaria receber um cachê de R$600 mil para tocar por algumas horas às custas do povo, carente de tudo e mais um pouco realmente está do lado do povo? Ou apenas pensa em seu próprio bolso?

Vamos falar da Veveta: ela é linda, carismática, "a cara do Brasil". Todo mundo gosta dela. Ela é descontraída. Fala o que dá na telha. Sorri, e muito. Isso cativa. É a rainha. Bem, a rainha parece não se importar muito com ética. Aceitar grandes cachês com dinheiro público é algo comum, pelo visto. Quem não se lembra do hospital cearense que foi inaugurado com um showzaço da rainha, no valor de R$650 mil reais, em 2013? E, avançando no caso, quem se lembra que o mesmo hospital desabou, 1 mês (eu disse UM MÊS) depois? Claro, a Veveta Linda Amor do Brasil não tem culpa. Ela só fez seu trabalho. Mas e aí? Tá valendo então o "sou músico e toco até na festa de aniversário do Hitler se o cachê for bom"? "Não é problema meu, apenas estou fazendo meu trabalho"?

O empreendedorismo é o que move o país e deve ser aplaudido. O empreendedorismo cria valores, como o cachê altíssimo da Veveta e do Bell (e de outros grandes e safadões poetas da nossa música por aí). No âmbito privado é válido e legítimo. Mas e quando há dinheiro público envolvido? O artista deve "apenas fazer seu trabalho" ou pensar um pouco antes de agir? É ético receber um cachê tão alto nessas condições? Também costumo dizer que nos comunicamos de várias formas: a palavra é apenas UMA delas, e vale menos que o agir. Dizemos muito mais coisas pelo que agimos do que pelo que falamos. Todos artista adora falar, sorrindo, que ama seu povo. Mas e no agir? Demonstram a mesma coisa? Se importam realmente com seu povo?

Desisti de conversar no grupo. Terminei com uma frase parecida com esta: "vamos deixar essa bobagem de atitude e cidadania com aqueles artistas 'da época da ditadura'''. "Nosso povo já anda tão sofrido, merece uma alegria de vez em quando". O problema é quando essa "alegria" vem sob a clássica forma de "pão-e-circo-sem-pão" citada em "2012, Miopia" e é constante. Falando nessa época, lembra que um projeto da Maria Bethânia quase permitiu que ela recebesse 1,3 milhão de reais por incentivo fiscal da Lei Rouanet para recitar poesias num blog? Já pensou em olhar quantos projetos parecidos são aprovados todo ano no site do Ministério da Cultura?

E o papel do artista na sociedade? Não seria contribuir positivamente, para que o povo nunca se esqueça de quem é e o que lhe é seu por direito? Sim! O papel do artista na sociedade é bem mais próximo do de um professor que do de um pistoleiro de aluguel. Seus atos devem ser pensados como fundamentais para o crescimento da nação e não apenas como mero comércio que apenas visa o lucro, independente de onde venha o dinheiro. Quando estiver diante de um "artista" que claramente apenas visa o lucro desconfie: ele pode ser muito mais um comerciante do que um artista. Citando Nando Reis: "o mundo está ao contrário e ninguém reparou". Citando Raul: "pare o mundo que eu quero descer!".

E o BBB 16, hein? Tá animado(a)?

«
Próximo
Postagem mais recente
»
Anterior
Postagem mais antiga

Publicado por Distintivo Blue

BLUEZinada! é uma zine produzida pela Distintivo Blue e distribuída gratuitamente, desde 2011. Saiba mais sobre a banda:

Nenhum comentário

Comente aqui embaixo:

Leia!

Ouça!

Assista!

Cat-5

Cat-6