Cat-1

Cat-2

Cat-3

Cat-4

» » » » » Da África para os EUA e o mundo: blues, uma viagem musical #04


Apesar de se autodenominar Pai do Blues, W.C.Handy não criou o Blues. O que não se tem dúvida é de seu pioneirismo e importância na história desse gênero musical. No livro História da música ocidental, Jean e Brigitte Massin ressaltam: “Handy não foi o ‘inventor’ o

Blues (não existe, é claro, um inventor do blues), tampouco um bluesman” (MASSIN, 1997, p. 1082).



Alguns anos depois, Handy compôs outro clássico do Blues, chamado “St.Louis Blues”. Como já mencionado, a região do Delta, seja a do Mississipi ou a do Rio Yazoo, é tida como o local da gênese do Blues. Esta era uma região de solos férteis e de uma pobreza extrema. O Blues que dali se originou é chamado de Blues rural ou Delta Blues. Os bluesman que criaram este novo estilo de manifestação musical viviam na miséria e cantavam para conseguir dinheiro para bebida, para pagar o aluguel, etc. Entre eles destacam-se nomes como: Son House, Charlie Patton, Blind Willie Johnson, Skip James e Robert Johnson. Através da vida de bluesmen como estes, o Blues se fartará de mitos que enriquecerão o seu folclore. Robert Johnson, por exemplo, ficou conhecido por, supostamente, ter vendido sua alma ao diabo numa encruzilhada das rodovias 61 e 49, quando estava apenas com seu violão e uma garrafa de uísque. A vida de Robert Johnson foi cercada de mistérios. Johnson viveu apenas 27 anos, e, apesar de sua importância para a história do Blues, tudo o que se tem sobre ele se resume em duas fotos e 29 músicas gravadas. [3]

Por volta de 1920, o Blues vai passar por uma revolução que irá levá-lo a lugares nunca sonhados. Sobretudo após o período da Primeira Guerra Mundial, muitos negros começaram a migrar para Chicago. A principal causa desta migração foi a praga do algodão que ocorreu no sul do país culminando numa escassez de emprego para a população negra. A crise econômica que o país enfrentou neste período, o desenvolvimento dos meios de transporte, a grande enchente do Rio Mississipi em 1927 e a Grande Depressão em 1929 também foram aspectos fundamentais para esta migração. Karnal (2007) destaca que a população de Chicago chegou a triplicar entre os anos de 1900 e 1940 (KARNAL, 2007, p. 199). Muggiati (1995) também relata que “Com a Primeira Guerra Mundial, surgiu a necessidade de mão-de-obra suplementar e os negros do Sul foram atraídos para Chicago, onde a discriminação racial era menor “ (MUGGIATI, 1995, p. 18).

Nos estados do Sul vigorava deste o final do século XIX o sistema de leis conhecido como Jim Crow. [4] Estas leis visavam uma separação entre brancos e negros, sendo assim, deveria haver escolas para brancos, escolas para negros, lugares separados para brancos e negros em locais públicos como nos meios de transporte, banheiros, etc. Essas leis vigoraram até aproximadamente 1965. Em The Blues: Godfathers and sons, Martin Scorsese nos deixa importantes citações sobre a migração dos negros, principalmente dos artistas, para Chicago, afirmando que “Os artistas negros vieram do Mississipi, pelo Arkansas, de trem até Memphis e, depois, Chicago” (SCORSESE, 2006, 20´30´´). E ainda, que “Os negros que vinham para Chicago oriundos do Mississipi pensavam, agora nos afastamos da Jim Crow e vamos tentar a vida aqui’” (SCORSESE, 2006,25´46´´). Uma canção da época da migração para o Norte (Chicago), associada às leis Jim Crow, era cantada por Cow Cow Davenport e dizia: I´m tired of this Jim Crow, gonna leave this Jim Crow town. Doggone my black soul, i´m sweet Chicago bound. [5]

Em Chicago, o Blues tomou posse de uma ferramenta que o levou a outras partes do mundo: a tecnologia. Com ela, os bluesman puderam amplificar seus instrumentos e suas idéias. O guitarra acústica cedeu lugar à elétrica, o mesmo acontecendo com o contra-baixo. As vozes também puderam ser amplificadas, aumentando assim o seu campo de ação. Agora, os bluesmen poderiam ser gravados. Abria-se, assim, o mercado do disco, estimulado pelo sistema de gravação, que passou do modo mecânico para o elétrico. Os Blues passaram assim a ser mais divulgados, sobretudo com as séries de discos chamadas race records (discos gravados por negros e destinados aos negros). Sobre este aspecto, Muggiati (1995) diz: “o Blues tirava o pé da lama do Mississipi e iniciava a sua caminhada para a fama nas grandes cidades da América e do mundo” (MUGGIATI, 1995, p.18).

Entre as gravadoras, uma das mais importantes era a Chess Records, que, por volta de 1950, tinha entre os seus artistas nomes como: John Lee Hooker, Sonny Boy Williamson II, Chuck Berry, Buddy Guy, Howlin´ Wolf, entre outros. Porém, o nome mais importante entre os artistas da Chess, e o artista negro mais importante entre aqueles que vieram do Mississipi, foi Muddy Waters. Muddy, que foi o primeiro a amplificar todos os instrumentos de sua banda, veio a ser influência para muitos artistas internacionais, como Eric Clapton e os Rolling Stones – banda cujo nome foi baseado em uma das canções de Muddy, Rollin´ Stone. Um trecho dessa canção diz: “Well, my mother told my father, just before humm I was born 'I got a boy child´s comin, he´s gonna be, he´s gonna be a rollin´stone'…" [6]

Com Muddy Waters o Blues alçou vôos internacionais. Os ingleses foram os principais a aderir este novo gênero musical. Nomes como John Mayall, Mick Jagger, Keith Richards, Jimmy Page, Jeff Beck e Eric Clapton são alguns dos que surgiram a partir do interesse pelo novo gênero. A busca dos ingleses pelas raízes do Blues ficou conhecida como A Invasão Britânica, e o que daí se originou foi uma enorme quantidade de artistas e bandas que tinham no Blues as suas raízes- nomes como John Mayall and the Bluesbreakers, Rolling Stones, The Who, Led Zeppelin, Yardbirds e Cream (estes dois últimos contando com a participação de Eric Clapton, antes de iniciar sua carreira-solo).

Os artistas negros cantavam bastante sobre a viagem e a nova vida em Chicago. Uma das famosas canções vem de Robert Johnson: Sweet Home Chicago. Que diz:

Oh baby, don´t you want to go
Oh baby, don’t you want to go
Back to the land of California
To my sweet home Chicago [7]

É nesse contexto que encontramos as principais fontes para se entender e compreender a história do Blues: os discos e a vida dos bluesmen. Através dos discos é que percebemos o
sentimento de agonia, sofrimento e dor contido na vida deles. É através da própria canção que compreendemos o sentimento de dor, como o de W. C. Handy em St.Louis Blues: I hate to see that evening sun go down, i hate to see that evening sun go down, ´Cause my lovin´baby done left this town. [8] É com a própria canção que percebemos o que movia Son House em Death Letter Blues quando este dizia: I got a letter this morning, how do you reckon it read? Oh, hurry, hurry, Gal, you Love is dead. [9]

A canção no Blues tem grande importância na transmissão do sentimento do bluesman. É através dela que percebemos o ruralismo do Blues do Delta, a eletricidade do Blues de Chicago, etc. É a canção que nos mostra as diferenças entre o Blues de Son House e o de John Lee Hooker, entre o de Eric Clapton e o de Skip James. É ouvindo o disco que, hoje, podemos capturar um pouco da essência do Blues. Como quando ouvimos o lamento de Blind Willie Johnson em Dark was the night ou com o próprio Willie Johnson em Lord, I Just can´t keep from crying. É ouvindo B.B.King cantar Take my hand, precious Lord que podemos entender a história do Blues, porque, através de sua música, os negros contam a sua história:

Precious Lord, take my hand
Lead me on, let me stand
I am tired, I am weak, I am worn
Through the storm, through the night
Lead me on to the light [10]

O Blues conta a história do negro afro-americano. Uma história de sofrimento, de agonia, de lamentos e humilhações, mas, também, de alegria, regozijo e esperança de dias melhores. Como diz Chuck D, do Public Enemy, em Scorsese (2006): “Sempre digo que se você estudar a história gravada do Blues, Soul, Funk e Jazz nos últimos cem anos, você terá uma linha do tempo de como os negros viveram” (apud SCORSESE, 2006, 4´36´´).

Em sua autobiografia, Eric Clapton, importante artista do Blues britânico, diz:

O Blues é um estilo de música nascido da união entre as culturas folk africana e européia, concebido na escravidão e criado no Delta do Mississipi. Tem sua própria escala, suas próprias leis e tradições, e sua própria linguagem. Do meu ponto de vista, é uma celebração do triunfo sobre a adversidade, cheio de humor, duplo sentido e ironia, e raramente- se é que alguma vez- é deprimente de se ouvir (CLAPTON, 2007, p. 392).



[3] O filme Crossroad, “A encruzilhada”, no Brasil (1986), com direção de Walter Hill e tendo no elenco o ator Ralph Macchio (Karatê Kid) e o músico Steve Vai, conta a história de um estudante de música clássica, Eugene Martone (Ralph Macchio), que é aficcionado pelo Blues, e, juntamente com Willie Brown, interpretado por Joe Sêneca, busca “A encruzilhada”, local onde Robert Johnson e Willie Brown teriam vendido suas almas ao Diabo para se tornarem famosos cantores de Blues.

[4] Jim Crow foram leis estaduais e locais decretadas nos estados do sul dos Estados Unidos entre 1876 e 1965. Estas leis exigiam que as escolas públicas e grande parte dos locais públicos, como trens, ônibus e banheiros, tivessem locais separados para brancos e negros. As leis Jim Crow foram revogadas em 1964 pelo Civil Rights act.

[5] Estou cansado deste racismo, vou deixar esta cidade racista. Aos diabos minha alma negra, estou a caminho da doce Chicago (Tradução do autor).

[6] Minha mãe disse pro meu pai, antes de eu nascer “um menino está vindo, ele será, ele será uma pedra rolante (Tradução do autor).

[7] Em uma provável tradução, este trecho de Sweet Home Chicago diz assim: Oh garota, você não quer ir/ Oh garota, você não quer ir/ De volta à terra da Califórnia/ Ao meu doce lar Chicago? (Tradução do autor).

[8] Odeio ver o sol indo embora a noite; eu odeio ver o sol indo embora a noite, porque meu amor se foi, deixou essa cidade (Tradução do autor).

[9] Recebi uma carta esta manhã, sabe o que ela dizia? Se apresse, se apresse, a garota que você ama está morta (Tradução do autor).

[10] Precioso Senhor, pegue minha mão, guie-me, deixe-me repousar; Estou cansado, estou fraco, estou desgastado;Através da tempestade,através da noite, guie-me para a luz (Tradução do autor).






...
«
Próximo
Postagem mais recente
»
Anterior
Postagem mais antiga

Publicado por I. Malförea

BLUEZinada! é uma zine produzida pela Distintivo Blue e distribuída gratuitamente, desde 2011. Saiba mais sobre a banda:

Nenhum comentário

Comente aqui embaixo:

Leia!

Ouça!

Assista!

Cat-5

Cat-6