Muddy Waters também poderia ser citado como nome importante no estilo Delta Blues, pois Muddy também levou uma vida de escravo na região do Delta e se libertou através de sua arte, mas, sua contribuição maior foi no Blues de Chicago, fruto da migração dos músicos do Delta para cidades mais ricas e desenvolvidas do Norte do país. Chicago figura entre as cidades mais importantes entre as que receberam os negros quando desta migração. Assim como já foi mencionado, por volta de 1920 ocorreu uma praga do algodão no sul do país, o que culminou numa escassez de emprego para a população negra e uma grave crise econômica em todo país. Outros fatores para a grande migração que ocorreu neste período foram a grande enchente do Rio Mississipi em 1927 e a Grande Depressão em 1929, além do desenvolvimento dos meios de transporte.
Ao chegarem à cidade de Chicago, cidade mais desenvolvida do que a região do Delta, os músicos vindos da região do Mississipi puderam incluir a tecnologia em suas canções. O violão cedeu lugar à guitarra elétrica, as vozes foram amplificadas, assim como a harmônica, e a bateria, o piano e baixo elétrico, e, até mesmo o saxofone e o trompete, foram introduzidos. Elementos do Blues do Delta continuaram sendo utilizados, como o uso do bottleneck, mas, agora, num contexto elétrico. O Blues saía do “formato solo” utilizado no Delta Blues, em que um mesmo artista executava mais de um instrumento, além de cantar, e passava para o formato de banda, com o piano passando a dividir a função de solista com a guitarra e a harmônica.
Foi com o Blues de Chicago que esta música rumou para a Europa, principalmente para a Inglaterra, influenciando o surgimento de muitas bandas e/ou artistas e o conseqüente aparecimento do rock´n´roll naquele país. Nomes como Rolling Stones, Cream, Yardbirds e Led Zeppelin são descendentes diretos do Blues de Chicago. Os grandes representantes deste estilo são: Elmore James, Freddie King, Buddy Guy, Koko Taylor e Willie Dixon. Nomes como Johnny Shines, Magic Slim, Otis Rush, Pinetop Perkins, Little Walter e Sonny Boy Williamson também são notáveis na extensa lista de grandes músicos dessa vertente. Porém, o maior representante do Chicago Blues é Muddy Waters. Suas interpretações para Hoochie Coochie Man, canção de sua própria autoria, apresentam todas as características do Blues de Chicago. Nela, ouvimos um bluesman vindo do Mississipi num contexto elétrico, com guitarra e contra-baixo elétricos, bateria, piano, harmônica amplificada através do uso do microfone, assim como a voz. Muddy, com seu timbre de voz característico e sendo um ótimo guitarrista, foi o primeiro dos bluesmen vindos do Delta do Mississipi a amplificar os instrumentos de sua banda, e sua extensa obra musical e exemplo de vida foram de suma importância para o surgimento do rock´n´roll na Inglaterra. Pela banda de Muddy passaram músicos que seriam, futuramente, importantes nomes no cenário bluseiro, como Sonny Boy Williamson e Buddy Guy. Um de seus discos antológicos é Eletric Mud, que, sendo gravado pela Chess Records, até hoje figura entre os grandes discos da história do Blues.
Outra importante cidade a receber músicos vindos do Mississipi foi Memphis, no Tennessee. Região geograficamente mais próxima da região do Delta do que Chicago, Memphis possuía, por volta de 1920, uma área de entretenimento chamada Beale Street, que recebia em seus bares e clubes muitos dos que viriam ser os grandes artistas do gênero. Nestes bares e clubes da Beale Street passaram, ou iniciaram suas carreiras em seus shows de calouros, artistas como: Rosco Gordon, Little Junior Parker e B. B. King. Rufus Thomas diz em The Blues: a Road to Memphis “a rua Beale era o paraíso dos negros. Eles vinham do Delta sem deverem nada a ninguém” (SCORSESE, 2006, 16´44´´). Rosco Gordon acrescenta em Scorsese (2006) que “os clubes ficavam abertos até às 5 ou 6 horas da manhã” (SCORSESE, 2006, 12´58´´).
O Memphis Blues não é tão enérgico, se comparado, por exemplo, ao Blues de Chicago. Em sua instrumentação figuram, além da bateria, baixo, guitarra e piano, os instrumentos de sopro, geralmente em trio (trompete, saxofone e trombone) ou quarteto, geralmente com o acréscimo de mais um saxofone. Uma grande característica do Memphis Blues é que muitas de suas canções não apresentam, apenas, os acordes do I, IV e V graus da tonalidade. É comum em suas canções o uso de acordes que, geralmente, não são usados no Chicago Blues e, principalmente, no Blues do Delta, como por exemplo: IVm7, IIm7, VIm7, V º/V (na tonalidade Sol Blues os acordes ficariam assim representados: Cm7, Am7, Em7, C#º). Um exemplo desta característica de utilização de acordes no Memphis Blues é a introdução de In my lifetime, de B. B. King. Na tonalidade Lá Blues ela fica assim representada:
A7 | D7 | A7 | D7 | D#º | A7 | F#m7 | Bm7 | E7 | A7 | D7 | A7 | E7
Outra importante característica musical do Blues de Memphis é que este apresenta muitas canções em tonalidade menor, o que não é muito comum no Blues do Delta e de Chicago. Ressalta-se que a utilização da escala segue o mesmo formato, mas, no Blues de Memphis, diferente dos outros estilos de Blues (que apresentam acordes maiores com 7º menor (x7) e melodia como fossem para acordes menores) os acordes são, geralmente, menores com 7º menor (m7). Como grande exemplo, a música Blues Boy tune, um Blues instrumental, também de autoria de B. B. King, que, na tonalidade de Ab menor, fica assim representada:
Abm | Dbm | Abm | Eb7 | Abm | Dbm | Abm | Dbm | Dbm
Abm | Dbm | Abm | Eb7 | Dbm | Abm | Dbm | Abm | Eb7
Entre os grandes nomes do Memphis Blues, além dos já citados Rosco Gordon e Little Junior Parker, destacam-se: Bobby Rush, John Lee Hooker e Albert King. Mas, o mais importante artista do Blues de Memphis, falecido em maio de 2015, é B. B. King. Dono de um fraseado (guitarra) e uma voz característicos, Mr. King é facilmente identificado já nos primeiros compassos de suas canções. Seu Blues é caracterizado por uma emoção intensa do início ao fim do concerto e/ou show. O fato curioso em sua maneira de tocar é que B.B.King não executa acordes. King possui um vibrato (sustentação das notas na guitarra) característico na execução de suas melodias e solos. B. B. King é considerado um dos grandes guitarristas da história.
Já o Texas Blues é o mais enérgico dentre os estilos de Blues. Sua grande característica é ter uma presença marcante da guitarra elétrica e seus solos nas canções. Por essa característica, o Texas Blues apresenta muitos virtuoses neste instrumento. Nomes como Johnny Winter, T-Bone Walker e Jimi Vaughan figuram nesta lista. Ainda, o Blues do Texas é o estilo que mais apresenta características do que viria a ser um novo estilo de música negra: o rock´n´roll. Muitas canções do Texas Blues nos passam a sensação de estarmos ouvindo bandas pioneiras deste estilo, como é o caso da canção The house is rockin´, de Stevie Ray Vaughan, que nos apresenta muitas características do rock´n´roll, como o andamento rápido, riff e solos de guitarra e piano. A instrumentação básica do Texas Blues é o quarteto clássico que ficou muito popularizado no rock´n´roll com bateria, baixo, piano e guitarra elétrica. Mas, em sua instrumentação também aparecem trompete, saxofone, trombone e violino, sendo este último muito utilizado por Clarence Gatemouth Brown. Com uma extensão obra, Gatemouth é um grande representante deste estilo, em suas canções podemos ouvir todas as características atribuídas ao Blues do Texas e, ainda, encontrar toda a instrumentação utilizada por este estilo.
Entre os grandes representantes do Texas Blues encontramos Freddie King, Albert Collins, a banda ZZ Top e Gary Clark Jr. (este sendo representante da geração atual), além dos já citados Clarence Gatemouth Brown, Johnny Winter, T-Bone Walker e Jimmy Vaughan. Porém, o maior representante do Blues do Texas é Stevie Ray Vaughan, responsável pelo “ressurgimento” do interesse pelo Blues na década de 1980. Sua obra é extensa e, entre seus discos gravados, há alguns que mostram uma grande característica de Vaughan, tocar em jam sessions. Foi assim que surgiram discos antológicos em parceria de Albert King e Buddy Guy. Stevie também é considerado um dos grandes guitarristas da história e, entre suas características, está o uso de cordas “pesadas” em seu instrumento- ele usava encordoamento 0.13 em suas guitarras, sendo mais comum o uso de 0.9. Stevie Ray Vaughan também ficou muito conhecido por suas interpretações para canções clássicas de um artista de grande importância para o rock´n´roll e com grande influência do Blues. Com sua banda, Double Trouble, Stevie Ray Vaughan fez importantes gravações das músicas Little Wing e Voodoo Child, de Jimi Hendrix.
Após um show em agosto de 1990, com a participação de artistas consagrados como Buddy Guy, Robert Cray e Eric Clapton, Stevie Ray Vaughan foi vítima fatal em um acidente de helicóptero. Clapton (2007) relatou o episódio:
Em 26 de agosto estávamos tocando em resort de esqui em Wisconsin, em uma casa chamada Alpine Valley Music Theatre, entre Milwaukee e Chicago. Stevie Ray abriu o show com sua banda Double Trouble... No programa daquela noite também estavam Buddy Guy, Robert Cray e Jimmie, o irmão de Stevie Ray, e no fim do show fizemos uma Jam todos juntos, inclusive Stevie Ray, em uma versão de 15 minutos da canção “Sweet Home Chicago”. Quando o show acabou, nos despedimos com abraços e saímos às pressas para uma série de helicópteros que nos aguardavam... Assim que entrei reparei no piloto usando uma camiseta de propaganda para limpar o vidro, todo embaçado... e lembro de pensar comigo mesmo: “Isso não está com uma cara boa”, mas não quis dizer nada que pudesse gerar medo... Naquele momento, sem que eu soubesse, Stevie Ray, que deveria voltar para Chicago, havia encontrado um assento vago em outro helicóptero, junto com dois de minha equipe... Os quatro helicópteros decolaram, voando para dentro da parede de névoa... Foi uma viagem curta de volta ao meu hotel, fui para a cama e tive uma ótima noite de sono. Por volta das 7 da manhã, recebi uma ligação de Roger dizendo que o helicóptero de Stevie Ray não tinha voltado, e ninguém sabia ainda o que havia acontecido. Fui para o quarto dele, onde por fim recebemos a notícia de que ele havia decolado, virado para o lado errado e voado direto para uma rampa artificial de esqui. Não havia sobreviventes (CLAPTON, 2007, p. 285 e 286).
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